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19.2.09

A maldita herança do jeitinho

Postado por Giulliana Goiana |

“De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver crescer as injustiças, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da hora, e ter vergonha de ser honesto”. (Rui Barbosa)


Recentemente o BPI (Bribe Payers Index) divulgou o resultado de um estudo que apontou que os empresários brasileiros estão entre os mais corruptos do mundo. O Brasil está entre os países mais suscetíveis ao suborno nas transações comerciais internacionais, obtendo nota 7,4 no Índice de Pagadores de Suborno em 2008, o que lhe garantiu o 17º lugar do ranking mundial. A pesquisa revelou ainda que na América Latina 87% dos empresários acreditam que a ação dos governos na luta contra a corrupção é ineficaz, muito ineficaz ou não existe.

Essa é só mais uma, entre tantas notícias, que nos lembra um dos traços mais marcantes da identidade brasileira: o famoso “Jeitinho”, definido por Lourenço Stelio Rega (Dando um jeito no Jeitinho) como “a imposição do conveniente sobre o certo”, ou seja, uma forma malandra de se resolver um problema, ainda que sob a forma de burla de alguma norma preestabelecida. Apesar de nem sempre manifestar-se de forma negativa, o Jeitinho é a força motriz de um dos maiores problemas da política brasileira: a corrupção.

Cabe lembrar que a corrupção no Brasil não é exclusividade dos altos escalões do poder. Ela está muito próxima de nós. Está na atitude do contribuinte, ao omitir informações na sua declaração de imposto de renda para receber um valor maior de restituição; está no trânsito, quando o motorista paga suborno ao policial rodoviário para não ser penalizado; está na escola, quando o aluno entrega um trabalho copiado da Internet ao professor, ou mesmo quando copia uma resposta da prova do colega para ser aprovado; está no ônibus, quando o passageiro não ultrapassa a roleta e em troca coloca um valor menor que o da passagem no bolso do cobrador. Se a sua integridade foi vendida por tão pouco, o que o leva a crer que, se estivesse no lugar do político, não a venderia por alguns milhões de reais?

No Brasil existe a tendência de só se considerar o ato ilícito como corrupção quando ele é praticado nos altos escalões do poder público. O discurso de indignação da sociedade brasileira com a corrupção da máquina política tem um “q” de hipocrisia e esconde a sua complacência com esse tipo de atitude. A corrupção permeia as decisões cotidianas dos brasileiros, e não é apenas tolerada, mas louvada pela sua consciência elástica, que considera a “esperteza” uma virtude, enquanto rotula o íntegro de “otário”.

Lívia Barbosa (O Jeitinho Brasileiro) se utiliza de argumentos weberianos (A Ética Protestante e o espírito do Capitalismo) para sugerir que essa ética tem também origens religiosas. Para ela as razões estão na plasticidade do catolicismo, ao contrário da rigidez protestante. O protestantismo exige coerência nos valores aplicados em todas as áreas da vida, resultando numa prática social mais uniforme. Já no catolicismo, a absolvição pela penitência abranda a vivência dos fiéis, não havendo necessidade de uma coerência de condutas.

Não ignoro o fato de que, no Brasil, para ser honesto, é preciso pagar um preço muito alto. A carga tributária imposta aos brasileiros é um fardo muito pesado para se carregar, o descaso das autoridades e a impunidade causam mesmo indignação. Mas Regala afirma que existe um círculo vicioso de corrupção no Brasil no qual o Jeitinho é o eixo motor. Em primeiro lugar, há um descaso das autoridades públicas em relação às necessidades do povo. Esse descaso alimenta o jeitinho, pois o povo sente-se no direito de transgredir as normas, já que os impostos são pagos e o governo não os aplica de forma correta. Para não ser punido pela transgressão, o cidadão paga suborno. Esse procedimento protege o transgressor e estimula o corrupto a continuar na corrupção. O pagamento do suborno gera a impunidade que dá continuidade ao descaso, fechando assim o círculo.

A corrupção no Brasil, portanto, é um problema que está longe de ser resolvido, pois ao que parece, esse país só terá jeito quando esse ciclo for quebrado; quando os brasileiros decidirem trocar o discurso hipócrita pela prática coerente e admitirem que as raízes da corrupção estão nos valores que eles próprios transmitem a seus filhos. Até lá, sou obrigada a concordar com Charles de Gaulle: “o Brasil não é um país sério”.

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